Estudo feito pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal mostrou efeitos da pandemia e do isolamento no comportamento dos responsáveis e cuidadores
Com os cuidados redobrados e a
sobrecarga em meio à pandemia da Covid-19, o número de pais
que usaram de práticas já ultrapassadas para "educar" seus filhos,
como palmadas, gritos e chacoalhões, aumentou drasticamente. Pelo menos é isso
que mostra a recente pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com o
apoio da Porticus América Latina, o " Primeiríssima Infância - Interações
na Pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em
tempos de Covid-19 ".
Entre os entrevistados, pais e mães
representaram 53% da amostra, sendo que 67% deles assumiram usarem de práticas
educativas negativas para conter o comportamento da criança durante o
isolamento social. Eles declaram ter recorrido, ao menos uma vez, ao uso de
chacoalhão, palmada, ou apertos nos braços. Já as práticas verbais também entraram
nessa leva, sendo elas gritos e palavras depreciativas.
O estudo chega próximo ao Dia
Nacional pela Educação sem Violência, lembrado no dia
26 de junho, quando a Lei da Palmada (13.010/2014) entrou em vigor, há
exatos sete anos. Ela foi criada para proteger as crianças dos abusos
parentais, em homenagem ao menino Bernardo Boldrini, morto brutalmente pelo pai
e a madrasta em 2014.
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do menino Henry poderiam ser evitados, diz especialista
Os dados foram elaborados sob
consultoria da Kantar Ibope Media, que mapeou pais e responsáveis com as crianças
de zero a 3 anos em todo o Brasil durante a pandemia e funciona. Segundo a
Fundação, ao todo foram entrevistados 1036 homens e mulheres - pais, mães,
avôs, avós, tios, tias ou outros parentes de classes A, B, C e D.
Em comparação ao estudo anterior, feito
antes da pandemia, aproximadamente 10% dos cuidadores (pais, mães, avôs, avós,
tios, tias ou outros parentes) afirmaram que aplicaram palmadas como métodos
disciplinares quando a criança faz birra ou não obedece.
Paula Perim, diretora de Comunicação
da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal,
diz que algumas peculiaridades trazidas pelo isolamento social explicam tal
aumento alarmante. "A sobrecarga de trabalho, acúmulo de funções, estresse
e incerteza econômica. Torcemos para que isso tudo passe e pais e cuidadores de
crianças muito pequenas – estamos falando da primeiríssima infância, até três
anos, portanto – sigam numa direção oposta", afirma.
A boa notícia é que a pesquisa também
apontou para uma tendência: parte dos cuidadores demonstraram preferência pelas
práticas educativas positivas, que são mais efetivas para consertar
comportamentos errados – 94% dos pais e responsáveis disseram que tentam
distrair as crianças para tirar o foco do problema, 84% mostram os ricos e
consequências, e 89% explicam o comportamento errado à criança.
Traço cultural
Segundo Paula Perim, a palmada ainda
é um traço muito forte na cultura brasileira e que é passado de geração para
geração. "As pessoas ainda têm aquele pensamento ‘o filho é meu e eu educo
ele da maneira que eu quiser; veja esse moleque, virou médico, o que umas
palmadas na infância não são capazes de fazer?’. Isso é muito danoso porque vai
atravessando gerações".
Em outras palavras, uma pessoa que
cresce com esta forma de "educar" normalizada, muitas vezes reproduz
quando chega a sua hora de criar um filho.
O que diz a Lei da Palmada?
Segundo o advogado Ariel de Castro
Alves, membro do Instituto Nacional dos Direitos da criança e do adolescente, a
Lei da Palmada ou Lei Bernardo, proíbe que pais e mães se utilizem da agressão
para educar seus filhos. No entanto, ela serve mais como uma lei preventiva, e
não punitiva.
"Quando houver denúncia, as
pessoas devem ser encaminhadas para programas de apoio e orientação. O problema
é que esses programas não foram criados e nem existem na maioria dos
municípios. Esses pais precisam ser educados para aprender a cuidar dos seus
filhos", diz ele.
Recentemente o caso do menino Henry chocou a todos. O
menino de 4 anos sofreu graves empacamentos do padrasto Dr. Jairinho, e não
resistiu aos hematomas e ferimentos internos. A Lei da Palmada, nessa situação,
já seria tarde de mais. Por isso mesmo Dr. Ariel afirma: é preciso denunciar,
mesmo quando houver dúvidas.
"Quem sabe de algo e não
denuncia pode até responder por crime de omissão de socorro", diz o
advogado, que na época em que a Lei Bernardo estava sendo discutida com o apoio
do movimento "Não bata, eduque", já defendia o fim da aplicação de
métodos violentos para punir ou educar crianças e adolescentes.
*Ana Beatriz Gonçalves é
jornalista e repórter do Papo de Mãe
REDAÇÃO: JBTNOTICIAS
FONTE: UOL